Neste terceiro ano de convivência com a Covid-19, com medidas menos restritivas de distanciamento, diversas atividades já voltaram ao ritmo normal em escolas, empresas, comércios e nas rotinas familiares. Mas, no começo da pandemia, em 2020, a modalidade remota exigiu reorganização rápida na relação trabalho-família. Investigando a temática, uma pesquisa da UFSCar foi premiada em concurso nacional de artigos científicos promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
A pesquisa que deu origem ao artigo vencedor integra o projeto de doutorado desenvolvido por Marcela Alves Andrade, estudante no Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia (PPGFt) da UFSCar, sob orientação de Tatiana Sato, docente no Departamento de Fisioterapia da Instituição. Dentre outros resultados, o trabalho mostra conflito menor na relação trabalho-família em pessoas com mais de 60 anos e, no outro extremo, dificuldades maiores entre profissionais do setor de Educação.
A pesquisa, que teve início em 2020, configura estudo longitudinal em um grupo de trabalhadores denominado IMPPAC (Implicações da pandemia de Covid-19 nos aspectos psicossociais e capacidade para o trabalho em trabalhadores brasileiros – estudo longitudinal). A iniciativa recebeu apoio da Capes e, atualmente, tem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O objetivo central é avaliar aspectos psicossociais e a capacidade para o trabalho em profissionais de diversos setores econômicos, com acompanhamento longitudinal durante 12 meses. Foram aplicados questionários online junto a 1.698 trabalhadores, dentre os quais o Copenhagen Psychosocial Questionnaire (COPSOQ II-Br), desenvolvido na Dinamarca, traduzido e adaptado para o Português brasileiro pelo grupo de pesquisa liderado pela professora Sato. O questionário abrange uma série de aspectos, dentre os quais o conflito entre trabalho e família, tema do concurso de artigos científicos. “A partir do artigo, pudemos explorar este aspecto de forma mais aprofundada”, explica Tatiana Sato.
“Nós tivemos de modificar nossa forma de trabalhar e de se relacionar com o trabalho dentro de casa com a família. Foi tudo muito brusco, inesperado e imprevisível. Então, este tema é muito relevante e interessante”, destaca a professora. Neste contexto, o estudo identificou que o conflito foi menor em pessoas acima dos 60 anos, “o que atribuímos à maior experiência para lidar com o trabalho e a família e, também, ao fato de que os trabalhadores com mais idade podem ter tido redução da carga de trabalho na pandemia por comporem o grupo de risco”.
Outros pontos importantes destacados na pesquisa referem-se ao trabalho no setor da Educação e ao medo de se contaminar no trabalho. Esses fatores, segundo a orientadora da pesquisa, foram associados ao conflito entre trabalho e família. “Sabemos que os professores foram altamente impactados pelo ensino remoto, o que gerou aumento das demandas de trabalho e da chance de conflitos com a vida familiar”. Em relação ao medo de contaminação, a professora relata que no início da pandemia havia muito medo de que os familiares pudessem ser contaminados e, em decorrência dessa insegurança, muitos profissionais relataram durante a pesquisa que seus familiares desejavam que eles deixassem suas profissões, principalmente os da área da saúde, ou mudassem de emprego, mesmo que momentaneamente, para que o risco fosse minimizado. “Assim, o estresse emocional e psicológico devido ao medo da contaminação pode ter ocasionado conflitos entre diferentes membros da família”, salienta a pesquisadora.
A docente aponta, no entanto, que algumas hipóteses iniciais do estudo não foram confirmadas. Uma delas relaciona-se à parentalidade e associava o conflito trabalho-família ao fato de se ter filhos. “Este resultado não se confirmou. Discutimos este aspecto compreendendo que ter filhos gera demandas, mas também pode ter contribuído para melhorar as relações entre o trabalho e a família, uma vez que os trabalhadores com filhos tiveram mais momentos de distração familiar e, assim, conseguiram gerenciar melhor o desgaste provocado pelo confinamento”, expõe Sato. Outra expectativa do estudo era que as mulheres tivessem maior chance de conflito entre trabalho e família, por conta das demandas com os afazeres domésticos e de cuidado familiar, o que também não se confirmou.
A família é um fator determinante na vida do indivíduo e contribui positivamente para as relações interpessoais. “Portanto, os conflitos causados por altas demandas de trabalho e modificações nos processos de trabalho devido às medidas restritivas resultaram em reações sem precedentes, devendo ser cada vez mais objeto de estudo”, reforça Sato. A docente também aponta que o estudo mostrou que o convívio social é importante para o bem-estar individual e coletivo e que nem todos os trabalhadores conseguem conciliar a demanda do trabalho e da família de forma positiva. “O retorno às atividades presenciais e as redes de apoio podem auxiliar neste processo. É fundamental que as famílias fiquem atentas a estas modificações de comportamentos, busquem separar as atividades de trabalho das atividades com a família e realizem mais atividades de lazer dentro e fora do ambiente familiar”, recomenda a docente.
Para a doutoranda Marcela Andrade, o reconhecimento da pesquisa no concurso da Capes é um estímulo para a continuidade dos estudos. “Estar cursando o doutorado na UFSCar foi um fator decisivo para o sucesso das publicações internacionais e para a vitória neste concurso. É um caminho necessário fazer pesquisa sobre os aspectos psicossociais dos trabalhadores brasileiros, a fim de compreendermos os impactos diretos e indiretos, imediatos e tardios, ocasionados pela pandemia de Covid-19. Muito ainda há por se compreender, muitas hipóteses precisam ser confirmadas, e o único caminho para se alcançar isso é a pesquisa”, conclui Andrade.
O artigo premiado será divulgado, em breve, em publicação específica do Observatório Nacional da Família.